Escrito por: Jean Carlos M. da Silva
Após uma jornada intensa e gratificante de mais de três anos, liderando á área de arquitetura, focada na transformação digital e a modernização em um dos nossos principais clientes do setor de saúde, novas missões me chamam. Essa transição me proporcionou um momento de reflexão sobre um tema que tem sido central em minhas mentorias com arquitetos na 5by5 | Soluções em Sistemas : a interoperabilidade.
Mais do que um termo técnico, a interoperabilidade é um pilar estratégico que sustenta qualquer iniciativa de modernização bem-sucedida. Neste artigo, quero compartilhar as discussões e os insights dessas sessões, explorando o que é a interoperabilidade e qual a sua real importância no cenário tecnológico atual.
Para ilustrar esses conceitos de forma prática, usarei como pano de fundo minha recente experiência no setor de saúde, um campo fértil para a aplicação desses princípios.
O convite, no entanto, é que o leitor transcenda o exemplo, pois a interoperabilidade é a chave para a inovação em qualquer indústria.
O CAOS SILENCIOSO DOS SISTEMAS ISOLADOS
Em um mundo que se orgulha de sua hiperconectividade, uma grande ironia persiste no coração de nossa infraestrutura digital: a maioria dos sistemas de software ainda vive em ilhas isoladas, incapazes de se comunicar de forma eficaz. Este cenário se assemelha a uma Torre de Babel digital, onde cada sistema fala seu próprio dialeto proprietário.
A consequência é um caos silencioso que se manifesta de formas frustrantes e perigosas. Pense em um paciente que, ao visitar um novo especialista, precisa recontar todo o seu histórico médico e refazer exames, pois o sistema do hospital não “conversa” com o da clínica. Ou imagine uma grande corporação onde os departamentos financeiro e de operações lutam para conciliar relatórios porque seus sistemas de gestão são mutuamente incompreensíveis.
Essa fragmentação é mais do que um inconveniente, é uma doença digital crônica que gera ineficiência, aumenta custos operacionais com retrabalho e, em setores críticos como o da saúde, pode levar a erros de medicação e diagnósticos equivocados. A solução para essa desordem sistêmica não é apenas técnica, mas uma filosofia de arquitetura e uma estratégia de negócio: a interoperabilidade.
DESVENDANDO A INTEROPERABILIDADE: MAIS DO QUE APENAS CONECTAR FIOS
Para muitos, o termo “interoperabilidade” é usado como sinônimo de “integração”. Embora relacionados, eles representam conceitos distintos. Como arquitetos, é crucial entender essa diferença. A integração conecta sistemas, muitas vezes criando um forte acoplamento e uma dependência tecnológica que pode se tornar rígida e cara de manter. A interoperabilidade, por outro lado, foca na capacidade de comunicação fluida entre sistemas heterogêneos, geralmente por meio de padrões abertos, sem gerar essa dependência rígida.
Definição Fundamental
De forma simples, interoperabilidade é a capacidade de diferentes sistemas e organizações trabalharem em conjunto (interoperar) de modo a garantir que pessoas, organizações e sistemas computacionais interajam para trocar informações de maneira eficaz e eficiente.
O Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), uma autoridade no assunto, define interoperabilidade como “a habilidade de dois ou mais sistemas ou componentes trocarem informação e serem capazes de utilizar a informação trocada”.
A segunda parte dessa definição é a mais importante. Não basta apenas enviar um pacote de dados de um ponto A para um ponto B. O sistema B precisa ser capaz de abrir esse pacote, entender seu conteúdo e agir com base nele, sem intervenção humana. É a diferença entre receber uma carta em um idioma que você não entende e receber uma que você pode ler e interpretar.
As Camadas da Comunicação: Níveis de Interoperabilidade
A interoperabilidade não é um conceito monolítico do tipo “liga/desliga”. Ela é melhor compreendida como uma pilha de camadas, onde cada nível constrói a base para o próximo, adicionando mais inteligência e significado à comunicação.
- Nível 1: Interoperabilidade Técnica (ou Básica): Esta é a fundação, o “encanamento” da comunicação. Ela garante que os sistemas possam fisicamente se conectar e trocar bits e bytes. Envolve a infraestrutura de rede, protocolos de comunicação como TCP/IP e padrões de transporte como HTTP. É a camada que garante que a mensagem chegue ao seu destino.
- Nível 2: Interoperabilidade Sintática (ou Estrutural): Uma vez que os sistemas podem se conectar, eles precisam concordar sobre a “gramática” da conversa. A interoperabilidade sintática define a estrutura e o formato dos dados, garantindo que o sistema receptor possa analisar a mensagem corretamente. Tecnologias como XML e JSON são exemplos de padrões sintáticos. O sistema sabe onde encontrar cada campo (por exemplo, o campo “nome”), mas não necessariamente o que “nome” significa em um contexto de negócio.
- Nível 3: Interoperabilidade Semântica: Este é o nível que realmente agrega valor e onde reside o maior desafio. A interoperabilidade semântica garante que os sistemas compartilhem um entendimento comum do significado dos dados. Ambos os sistemas, emissor e receptor, concordam que o código 8302-2 do vocabulário LOINC se refere inequivocamente à “altura do corpo” de um paciente. É aqui que terminologias padronizadas (como SNOMED CT, LOINC, CID-10) e modelos de dados comuns se tornam indispensáveis. Sem a camada semântica, a automação inteligente é impossível.
- Nível 4: Interoperabilidade Organizacional (ou Política/Humana): A camada mais alta e, muitas vezes, a mais complexa de alcançar. Ela transcende a tecnologia e abrange o alinhamento de processos de negócio, fluxos de trabalho, governança de dados e acordos legais e de privacidade entre diferentes organizações. Envolve a criação de políticas que regem como, quando e por que os dados são compartilhados, garantindo a conformidade com leis como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Muitos projetos de integração falham porque se concentram apenas nas duas primeiras camadas. Eles estabelecem uma conexão técnica e trocam arquivos JSON, mas param antes de cruzar o que pode ser chamado de “abismo semântico”. A verdadeira interoperabilidade só é alcançada quando o significado da informação é preservado e compreendido por todos os sistemas envolvidos. É essa compreensão compartilhada que permite a automação de processos complexos, a análise de dados em larga escala e a criação de valor real.
POR QUE A INTEROPERABILIDADE É UM FATOR DECISIVO: UMA ANÁLISE EM SAÚDE.
A busca pela interoperabilidade não é um exercício acadêmico para entusiastas de tecnologia. É uma necessidade estratégica que impulsiona a eficiência, a inovação e a competitividade em praticamente todos os setores da economia.
Ao analisar domínios tão distintos quanto saúde, finanças e indústria, um padrão claro emerge: a interoperabilidade é o catalisador que transforma silos de dados em ecossistemas de valor.
Saúde: O Epicentro da Necessidade de Interoperabilidade
Nenhum setor ilustra melhor a necessidade crítica de interoperabilidade do que a saúde. O ecossistema de saúde é naturalmente fragmentado: um único paciente interage com hospitais (com seus sistemas HIS), laboratórios (LIS), centros de imagem (PACS), farmácias, planos de saúde e, cada vez mais, dispositivos de IoT e aplicativos de bem-estar.
Sem uma linguagem comum, o histórico de saúde do paciente se torna uma colcha de retalhos digital, com pedaços de informação presos em cada sistema.
As consequências dessa fragmentação são graves:
- Riscos à Segurança do Paciente: Decisões clínicas podem ser tomadas com base em informações incompletas ou desatualizadas, levando a erros de medicação, diagnósticos tardios e tratamentos inadequados.
- Ineficiência e Custos Elevados: Profissionais de saúde perdem um tempo precioso inserindo manualmente os mesmos dados em múltiplos sistemas, um retrabalho frustrante e propenso a erros. Exames são duplicados desnecessariamente, inflando os custos para todo o sistema.
- Experiência do Paciente Fragmentada: A necessidade de repetir informações a cada nova consulta gera frustração e mina a confiança do paciente no sistema de saúde.
A interoperabilidade, nesse contexto, oferece uma visão de 360 graus do paciente, permitindo que um médico na emergência acesse instantaneamente alergias registradas por um clínico geral, resultados de laboratório de uma semana atrás e a lista de medicamentos prescritos por um cardiologista. Isso não apenas melhora drasticamente a qualidade e a segurança do atendimento, mas também otimiza a eficiência operacional e abre as portas para a inovação em telemedicina, análise de dados populacionais com IA e aplicativos de saúde que capacitam os pacientes a gerenciar seus próprios cuidados
HL7 FHIR: CONSTRUINDO A PONTE PARA A SAÚDE CONECTADA
Para enfrentar o desafio monumental da interoperabilidade na saúde, a comunidade global tem se apoiado nos padrões desenvolvidos pela organização Health Level Seven (HL7) International, cujo nome se refere à camada 7 (Aplicação) do modelo OSI.
De Onde Viemos: Uma Breve História do HL7
Por décadas, o padrão dominante foi o HL7 v2. Embora amplamente implementado, ele é notoriamente complexo, baseado em mensagens com delimitadores (pipe-hat) que são difíceis de analisar e carecem de uma semântica rigorosa. Em uma tentativa de criar uma base mais robusta, o HL7 v3 e a Arquitetura de Documentos Clínicos (CDA) foram desenvolvidos. Eles eram semanticamente ricos, mas sua complexidade e curva de aprendizado íngreme levaram a uma adoção limitada, deixando o problema da interoperabilidade em grande parte sem solução. O setor precisava de algo novo, algo construído para a era da web.
A Revolução do FHIR (Fast Healthcare Interoperability Resources)
Em 2012, um grupo de implementadores fez uma pergunta transformadora: “Como seria a troca de informações de saúde se a projetássemos hoje, usando abordagens modernas?”.
A resposta foi o FHIR (pronuncia-se “fire”), um padrão que combina o melhor de seus predecessores com a simplicidade e o poder das tecnologias web modernas.
Os princípios de design do FHIR são uma lufada de ar fresco:
- Foco no Implementador: O FHIR foi projetado para ser fácil de usar por qualquer desenvolvedor de software. Ele utiliza tecnologias onipresentes como APIs RESTful, formatos de dados JSON e XML, e protocolos de segurança como OAuth. Isso reduz drasticamente a curva de aprendizado e o custo de implementação.
- Modelo de Dados Baseado em “Recursos”: O coração do FHIR é seu modelo de dados. Em vez de mensagens monolíticas e complexas, o FHIR divide o universo da saúde em blocos de construção modulares e lógicos chamados “Recursos”. Cada recurso representa um conceito clínico ou administrativo discreto.
Existem mais de 150 recursos definidos , cobrindo cerca de 80% dos casos de uso comuns na saúde. Alguns dos mais fundamentais incluem:
- Patient: Informações demográficas e administrativas sobre o paciente (nome, identificadores, gênero, endereço, contatos).
- Observation: Medições e asserções, como sinais vitais (pressão arterial, temperatura), resultados de exames de laboratório (glicemia, hemograma) e achados clínicos.
- Encounter: Representa uma interação entre um paciente e o sistema de saúde, como uma consulta, uma internação hospitalar ou um atendimento de emergência.
- Practitioner: Um profissional de saúde, como um médico ou enfermeiro.
- MedicationRequest: Uma ordem ou prescrição de um medicamento.
- DiagnosticReport: Um relatório de diagnóstico que agrupa um conjunto de observações e fornece um contexto clínico, como um laudo de exame de imagem ou de patologia.
Como o FHIR Resolve o “Abismo Semântico”
O verdadeiro brilhantismo do FHIR está em como ele aborda o desafio da interoperabilidade semântica. Ele não apenas define como trocar dados, mas também garante que todos entendam o que esses dados significam.
- Estrutura Definida e Vocabulário Controlado: Cada recurso tem uma estrutura de dados bem definida e padronizada. Por exemplo, um recurso Patient sempre terá um campo birthDate para a data de nascimento. Mais importante, para campos críticos, o FHIR utiliza CodeableConcepts, que são estruturas que vinculam a informação a sistemas de código e terminologias padrão da indústria. O campo Observation.code, por exemplo, não é um texto livre; ele é projetado para conter um código do LOINC ou SNOMED CT, garantindo que a “pressão arterial sistólica” seja representada da mesma forma, de maneira inequívoca, por qualquer sistema compatível com FHIR.
- Perfis (Profiles) para Contextualização: O FHIR reconhece que as necessidades de dados podem variar entre países, regiões ou projetos específicos. Para lidar com isso, ele introduz o conceito de “Perfis”. Um perfil é uma especificação que restringe ou estende um recurso base do FHIR para um contexto particular. Por exemplo, o perfil US Core nos Estados Unidos define quais campos do recurso Patient são obrigatórios e quais sistemas de código devem ser usados para representar raça e etnia. Isso permite que o padrão seja globalmente consistente e localmente relevante, alcançando um equilíbrio ideal entre rigidez e flexibilidade.
MÃOS À OBRA: CRIANDO UMA MINIMAL API EM .NET COM DADOS DE PACIENTE FHIR
Vamos sair do campo teórico e colocar a mão na massa. Este guia prático demonstrará como construir uma Minimal API em .NET 8 que retorna dados de um paciente mockado, formatados de acordo com o padrão FHIR R6. Para isso, utilizaremos o excelente Firely.NET SDK.
using System.Text.Json;
using Hl7.Fhir.Model;
using Hl7.Fhir.Serialization;
var builder = WebApplication.CreateBuilder(args);
var app = builder.Build();
app.MapGet("/fhir/patient/{id}", (string id) =>
{
var patient = new Patient()
{
Id = id, // identificador único que representa aquele "recurso" paciente em toda "rede" FHIR.
Identifier = new List<Identifier>
{
// Adiciona um identificador para o paciente respectivo ao cartão nacional de saúde (CNS).
// O número do CNS é um identificador único para cada cidadão brasileiro no sistema de saúde
// É possível ter vários identificadores como CPF, Número do Prontuário em algum HIS/LIS etc.
new Identifier
{
System = "gov/cns",
Value = "704602199795422" // exemplo do número do cartão nascional de saúde (CNS) obtidos no portal cidadão ou no app conecte SUS.
},
new Identifier
{
System = "gov/cpf",
Value = "887.175.275-97" // Exemplo de CPF, que é um identificador único no Brasil.
}
},
Name = new List<HumanName>
{
new HumanName
{
Family = "Silva",
Given = new List<string> { "Jean Carlos" }
}
},
Gender = AdministrativeGender.Male, // Definie gênero administrativo do paciente.
BirthDate = "1995-09-01", // Data de nascimento
};
var serializerOptions = new JsonSerializerOptions().ForFhir(ModelInfo.ModelInspector);
// Aqui temos oportunidades de criar middlewares para facilitar a serialização e deserialização de recursos FHIR.
var patientJson = JsonSerializer.Serialize(patient, serializerOptions);
return Results.Content(patientJson, "application/fhir+json", System.Text.Encoding.UTF8);
});
app.Run();
Quando rodarmos, acessando a url: ttp://localhost:<porta>/fhir/patient/123, output será:
{
"resourceType": "Patient",
"id": "1234",
"identifier": [
{
"system": "gov/cns",
"value": "704602199795422"
},
{
"system": "gov/cpf",
"value": "887.175.275-97"
}
],
"name": [
{
"family": "Silva",
"given": [
"Jean Carlos"
]
}
],
"gender": "male",
"birthDate": "1995-09-01"
}
Análise do Código e do Resultado
Vamos analisar o que acabamos de construir:
- Criação do Objeto Patient: Em vez de montar uma string JSON manualmente, nós instanciamos uma classe Patient fortemente tipada. Isso nos dá segurança de tipos, IntelliSense e garante que a estrutura do nosso objeto esteja em conformidade com o padrão FHIR desde o início.
- Preenchimento dos Dados: Populamos o objeto com dados de exemplo. Note como a estrutura do objeto reflete o padrão FHIR: Name e Identifier são listas, pois um paciente pode ter múltiplos nomes e identificadores ao longo da vida.
- Serialização Inteligente: A linha new JsonSerializerOptions().ForFhir(ModelInfo.ModelInspector) é onde a mágica acontece. Ela instrui o serializador padrão do .NET a usar as regras de conversão do Firely SDK, garantindo que o JSON gerado siga exatamente as especificações do FHIR.
- Resposta HTTP Correta: Retornar o Content-Type correto (application/fhir+json) é um aspecto fundamental da interoperabilidade. É como colocar a etiqueta correta no pacote, informando ao destinatário exatamente o que há dentro e como ele deve ser tratado.
Este JSON não é apenas um conjunto de dados; é uma representação padronizada e interoperável de um paciente, compreensível por qualquer sistema de saúde no mundo que “fale” FHIR.
A REALIDADE DA IMPLEMENTAÇÃO: DESAFIOS E TRADE-OFFS
Como arquitetos, sabemos que nenhuma tecnologia, por mais brilhante que seja, é uma bala de prata. A jornada para a interoperabilidade é poderosa, mas repleta de desafios e decisões difíceis que exigem uma visão estratégica.
Desafios Técnicos
- Sistemas Legados: Este é, sem dúvida, o maior obstáculo técnico. Muitas organizações, especialmente hospitais e grandes empresas, dependem de sistemas monolíticos que foram construídos décadas antes do advento das APIs modernas e dos padrões abertos. Tentar conectar esses sistemas legados a uma arquitetura interoperável pode ser complexo, caro e resultar em integrações frágeis que exigem manutenção constante.
- Complexidade da Padronização: Definir e chegar a um consenso sobre padrões, especialmente em domínios tão vastos e complexos como a saúde, é um processo lento e politicamente carregado.A falta de padrões claros ou a existência de múltiplos padrões concorrentes pode paralisar as iniciativas de interoperabilidade.
- Segurança e Privacidade: O compartilhamento de dados entre sistemas e organizações aumenta a superfície de ataque e levanta sérias preocupações com a privacidade. É imperativo implementar mecanismos robustos de autenticação e autorização (como o OAuth 2.0), criptografia de ponta a ponta e garantir a conformidade estrita com regulamentações como a LGPD no Brasil ou a HIPAA nos EUA.
- Custo de Implementação: A transição para uma arquitetura interoperável não é barata. Exige investimentos significativos em novas tecnologias, modernização de sistemas legados e, crucialmente, no treinamento de equipes. A questão de “quem paga a conta” é um debate contínuo e um grande entrave.
- Governança de Dados: A interoperabilidade eficaz exige mais do que tecnologia; requer governança. As organizações precisam estabelecer políticas claras e acordos sobre a propriedade dos dados, direitos de acesso, consentimento do usuário e qualidade dos dados. Isso exige um alto nível de colaboração, muitas vezes entre entidades que são concorrentes diretas.
- Cultura e Resistência à Mudança: Historicamente, os dados foram vistos como um ativo proprietário a ser guardado, não compartilhado. Mudar essa mentalidade é um desafio cultural significativo. Além disso, os profissionais na linha de frente precisam ser treinados e se sentir confortáveis com os novos fluxos de trabalho e sistemas para que a adoção seja bem-sucedida.
Os Trade-offs
A arquitetura de sistemas é a arte de gerenciar trade-offs. Na busca pela interoperabilidade, as decisões mais comuns envolvem:
- Custo vs. Benefício: Um maior investimento em padronização, segurança e resiliência aumenta o custo inicial, mas gera um retorno exponencial a longo prazo em termos de eficiência, inovação e redução do Custo Total de Propriedade.
- Velocidade vs. Padronização: Construir integrações ponto a ponto customizadas pode parecer mais rápido para resolver um problema imediato. No entanto, essa abordagem leva rapidamente a um “espaguete de integrações” insustentável. Adotar um padrão como o FHIR exige um esforço inicial maior para aprender e modelar, mas resulta em uma arquitetura limpa, escalável e muito mais barata de manter e evoluir.
- Flexibilidade vs. Rigor: Padrões excessivamente rígidos podem não se adaptar a todos os casos de uso específicos de uma organização. Padrões muito flexíveis, por outro lado, podem levar a implementações tão variadas que a interoperabilidade se perde. O FHIR atinge um excelente equilíbrio aqui, com seus recursos base fornecendo o rigor e o mecanismo de Perfis (Profiles) oferecendo a flexibilidade controlada.
A análise desses desafios revela uma verdade fundamental: o sucesso de um projeto de interoperabilidade depende de uma tríade de fatores: Tecnologia, Governança e Cultura.
- A tecnologia, como o FHIR, fornece as ferramentas.
- A governança, como os acordos de compartilhamento de dados e a conformidade com a LGPD, estabelece as regras do jogo.
- A cultura, que inclui a disposição para colaborar e o investimento em treinamento, fornece a vontade de jogar.
Um arquiteto que foca apenas na tecnologia está construindo uma ponte sofisticada que não leva a lugar nenhum. A estratégia de implementação deve, desde o início, abordar esses três pilares de forma integrada.
CONCLUSÃO: INTEROPERABILIDADE COMO A FUNDAÇÃO PARA O FUTURO DIGITAL
Ao longo deste artigo, desmistificamos a interoperabilidade, revelando-a não como um mero jargão técnico, mas como a força motriz que transforma coleções de sistemas isolados em ecossistemas digitais coesos, inteligentes e geradores de valor.
Vimos como sua aplicação é crucial em setores vitais, como por exemplo na saúde, permitindo um atendimento mais seguro. A jornada para a interoperabilidade plena é complexa e cheia de desafios. Ela exige mais do que a implementação de uma nova tecnologia; demanda uma mudança de paradigma que envolve planejamento estratégico, governança de dados clara e uma cultura organizacional aberta à colaboração.
Como demonstrou nossa análise da tríade do sucesso, a tecnologia (como o FHIR), a governança (como a LGPD) e a cultura (como o treinamento e a colaboração) são pilares interdependentes. Negligenciar qualquer um deles é arriscar o sucesso do projeto.
Para nós, arquitetos e desenvolvedores, a mensagem é clara: devemos pensar em interoperabilidade desde o primeiro dia do design de um sistema. Promover e adotar padrões abertos como o HL7 FHIR não é apenas uma boa prática de engenharia de software; é uma contribuição direta para um futuro digital mais eficiente, inovador e, em última análise, mais centrado no ser humano.
A interoperabilidade não é o objetivo final. É a fundação sólida e indispensável sobre a qual construiremos a próxima geração de serviços digitais.
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