Escrito por: Jaqueline Mistron
O livro “Mulheres que correm com os lobos”, da psicanalista e escritora Clarissa Pinkola Estés, é um clássico da literatura feminista. Nele, a autora basicamente tenta mostrar que as mulheres foram empurradas para papéis limitadores que encobrem sua verdadeira natureza e paixões – de forma simples, podemos dizer que foi construída a história do “bela, recatada e do lar” e nos enfiada goela abaixo.
A metáfora da mulher como uma loba, animal não domesticável, foi feita pela autora para resgatar a ancestralidade da mulher e explicitar como a intuição e criatividade foram sendo soterradas pela racionalidade e aparadas pelo patriarcado, que delimita nossos espaços, falas, pensamentos e lugares que podemos ocupar.
De acordo com um levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), dos mais de 580 mil profissionais de TI que atuam no Brasil, apenas 20% são mulheres – este número não faz sentido, uma vez que o público feminino corresponde a mais de 52% da população brasileira.
Nos Estados Unidos, o último censo estima que mulheres ocupam apenas 25% dos empregos em TI. E, em 2019, a Google revelou que apenas 30% de todos os seus colaboradores são do sexo feminino.
Ao falar sobre o baixo número de mulheres na TI e em outras áreas como a política, judiciário, ou engenharias, é importante destacar que não é simples opção da mulher ou falta de aptidão a não escolha de uma carreira nestas áreas.
A ausência e/ou minoria de mulheres em algumas profissões se deve muito ao patriarcado, que é a forma como a sociedade se estruturou – num sistema social baseado em uma cultura, estruturas e relações que colocam homens em situação de poder, em especial o homem branco cisgênero e heterossexual.
Basicamente, o problema começa na infância, pois o tipo de educação que as crianças recebem nas escolas e famílias influencia as futuras decisões de carreira. Infelizmente, desde cedo, as pessoas “aprendem” que existem habilidades mais qualificadas como femininas e outras como masculinas.
Para minha felicidade, tenho pai e mãe maravilhosos que talvez nem tenham planejado serem anti-patriarcado, mas me educaram de uma forma que me libertou para fazer escolhas e ser quem sou.
Na minha infância eu sempre escolhi os meus brinquedos e brincadeiras, nunca fui obrigada a ser uma menina nos moldes da sociedade patriarcal.
Por isso, eu fui a menina que praticava todos os esportes que tinha vontade, fui a menina que ganhou olimpíadas de matemática e, com isso, competiu em nível regional de escolas, também fui a menina que participou de maratonas intelectuais de obras da literatura brasileira. Me tornei a mulher que cursou faculdade numa sala com menos de 10 mulheres e que hoje lidera duas equipes incríveis de desenvolvedores de software.
Felizmente, entrei e saí de onde tive vontade. Para os meus pais, não é nenhuma surpresa ou anormalidade saber que a filha deles é líder de uma equipe composta em sua maioria por homens. Foi assim que eles me educaram, para ser e estar aonde eu desejasse.
Desde o início da minha trajetória na TI em 2007 até hoje, em vários momentos sinto na pele o peso do machismo e do patriarcado. Por isso, pra mim, meu trabalho é também um ato social e político, uma vez que ocupar este lugar e me recusar a sair dele é resistir e, assim desejo, servir de inspiração para mulheres que estão iniciando na TI ou para as que futuramente vierem para esta área.
Muitas vezes, é uma triste realidade, mas homens nos interrompem quando estamos falando, falam mais alto tentando nos intimidar e nos diminuir, fingem que não nos escutam e também que nossas ideias não são boas, ou ignoram nossas opiniões – ao fazer isso, esperam que a gente se cale, que sorria, que a gente finja que está tudo bem e que nada estranho aconteceu. Que eles fiquem esperando até cansar e começar a respeitar nossa presença, intelecto e capacidade.
Proponho aqui a todos: entendam o patriarcado, a misoginia, o machismo e a luta do movimento feminista.
Homens, respeitem nosso corre!
Mulheres, não se calem. Sejamos todas mulheres que correm com os lobos e não os temem!
Meu agradecimento à Bruna de Oliveira e Heloísa Fahl pela contribuição e inspiração.